A noite caía em Lisboa quando Pedro chegou.
O encontro com Afrodite estava agendado para a manhã do dia seguinte o que o obrigava a procurar poiso para a noite. Optou por uma pensão na avenida de Ceuta, Mondego de seu nome. Estacionou o carro na parte central da avenida, longe da pensão. Temia que aquela viatura pudesse já estar debaixo do olho das brigadas do Francisco, afinal era um carro roubado não mais o poderia utilizar.
Dirigiu-se ao balcão de recepção da pensão e pediu um quarto. Deram-lhe um quarto simples no segundo piso.
-“Trás alguma bagagem consigo senhor?” – Perguntou-lhe o recepcionista.
– “Não só pretendo passar esta noite aqui em Lisboa, amanhã sigo viagem para outro lado.”
– “Muito bem, o seu quarto é no segundo andar, o elevador é ali junto ás escadas, espero que goste da estadia na nossa pensão.”
-“Obrigado.” – Pedro pegou nas chaves e dirigia-se para o elevador quando a voz do recepcionista o voltou a interpelar.
-“Senhor, senhor…”
-“Sim.”
-“Se pretender jantar a nossa cozinha já está encerrada, mas no bar conseguem-lhe preparar uma sandes se quiser?”
-“Não, obrigado, mas não me está a apetecer comer nada. Vou descansar.”
-“Como queira. Ahh!!!, o pequeno almoço será servido entre as sete e as dez da manhã.”
Pedro acenou afirmativamente com a cabeça e entrou no elevador.
A porta do quarto abriu-se e uma lufada de ar fresco veio de encontro a ele. O quarto estava climatizado, sabia bem, pois o dia tinha sido bem quente. Atirou-se para cima da cama e sem que desse por ela adormeceu profundamente.
Um calor e uma luz intensa aqueciam-lhe o rosto. A custo abriu os olhos, era dia. De um salto pulou da cama e olhou para o relógio. Sem conseguir ver bem as horas entrou na casa de banho e lavou a cara com água fria. Aos poucos a visão começava a voltar ao normal. Voltou a olhar para o relógio… Dez horas.
-“Porra… adormeci.” – Comentou irritado.
Dirigiu-se ao elevador mas verificou que este não estava acessível, alguém o estava a reter nos pisos superiores, ouviam-se vozes de mulheres em amena cavaqueira.
-“Grandes cabras…” – Disse entre dentes enquanto se dirigia ás escadas.
Desceu as escadas num ápice e dirigiu-se á recepção. Pagou e pediu que lhe chamassem um táxi.
Não tardaram cinco minutos a aparecer o taxi, mas para ele tinha sido uma eternidade, o mail era explicito…
“…Pedro tenho de falar contigo urgentemente, vem ter comigo a Lisboa, Docas ás 10:15…
(…)
Amo-te, Afrodite.”
Dez horas e vinte minutos, o taxi imobiliza-se junto ás docas na zona de Alcântara. Pedro sai do taxi e olha em seu redor. A maior parte dos cafés ainda está fechada. Ao longe vê alguém acenar, era Afrodite.
Com o passo incerto lá se dirige para aquela que, embora dizendo que o amava, havia tentado prende-lo, mas não tinha alternativa, tinha de tirar isso a limpo.
Afrodite estava radiante, um vestido vermelho, decotado, deixava vislumbrar um colo perfeito. O cabelo longo ondulava levemente com a brisa matinal do rio.
Pedro parou um instante a contempla-la.
-“Vais ficar ai parado a olhar para mim como um basbaque? Senta-te aqui.”
Pedro afastou a cadeira e sentou-se em frente a Afrodite.
-“Não dizes nada? Perdes-te a língua?”
-“Não, não perdi a língua, mas poderia ter perdido muito mais. Traiste-me.”
-“Eu…., a minha traição foi tão grande quanto a tua. Ambos fizemos um bonito papel nesta farsa.”
-“Tens razão, mas esta farsa já custou vidas, o Othelo, a Mary…”
-“Sim eu sei, a morte do Othelo foi uma tragédia, mas a Mary, não fazia ideia que tinha morrido, como foi isso?”
-“Ahhh, foi atingida por um tiro quando escapamos ás brigadas do Francisco.”
Pedro, não tinha confiança em Afrodite por isso achou melhor dar Mary como morta, assim, se fosse uma cilada contra ele, ao menos a Mary seria poupada.
-“Lamento saber…” – Disse Afrodite tacteando a mesa em busca da mão de Pedro para a agarrar e lhe transmitir algum conforto.
Pedro afastou a mão rispidamente e Afrodite, sem jeito recolheu a sua.
-“Mas vamos ao que interessa, afinal que pretendes de mim? É mais uma cilada vossa para me apanhar?”
-“Não Pedro, não é uma cilada. Sabes, os momentos mais felizes que passei nos últimos tempos foram contigo a conversar na net, a trocar confidências, declarações parolas de amor, coisas que me fizeram parecer uma adolescente…”
-“Sim, mas isso não te impediu de me quereres prender, matar até… grande felicidade essa que te proporcionei…”
-“Não sejas tolo, estava a desempenhar as minhas funções.”
-“Ai sim, e o teu relacionamento com o Lourenço? Também estavas a desempenhar as tuas funções, presumo?”
-“Não sejas sarcástico. Sabes perfeitamente que eu já era uma mulher comprometida antes de te conhecer… só não sabias que era com o Lourenço. Mas as coisas entre nós não estavam a funcionar. Descobri que ele tinha uma relação paralela com a actual ministra, a Elora. Grande sacana, paz á sua alma…”
-“Mas que queres de mim agora?”
-“De ti… pouca coisa, afinal já me deste muito durante todo este tempo em que estivemos enamorados online. De ti só quero que estejas a meu lado daqui para a frente.”
-“Para quê? Porquê ao teu lado… como queres que confie em ti agora, depois de tudo o que aconteceu?”
-“Sei que não será fácil, mas nesse aspecto da confiança estamos os dois em pé de igualdade, não é? O que eu quero é retribuir-te toda a dedicação que tiveste para comigo, em resumo, quero amar-te quero dar uma nova oportunidade a nós.”
Pedro olhou nos olhos de Afrodite á procura da sinceridade, da confirmação de que o que estava a ouvir vinha bem de dentro dela. Os olhos de Afrodite não o enganariam, tinha essa convicção, afinal eles são o espelho da alma, pensou.
Procurou as mãos de Afrodite e encontrou-as sobre a mesa á espera das suas. Agarram-se ambos com força mantendo os olhos bem fixos, um no outro. De repente e bruscamente, Pedro largou as mãos e recostou-se na cadeira.
-“Não, não vai dar certo…tu és uma continental, um membro deste bando de sanguessugas que nos tem chupado até ao tutano as nossas riquezas o nosso trabalho. Na net eu era um anónimo que se escondia atrás de um nickname, podia ser qualquer coisa, qualquer pessoa. Será que se soubesses que eu era um ilhéu me terias dado sequer atenção?”
-“Errr… sim, talvez… bahhhhhh, sei lá eu o que poderia fazer se acontecesse isto ou aquilo, isso não importa, o que importa é o que aconteceu de facto, e quanto a isso não tenho duvidas. Amo-te e quero que venhas comigo.”
-“Mas vou contigo para onde, por acaso já te esqueceste que sou procurado pelos teus amiguinhos?”
-“Calma, tenho tudo tratado. Vês aquele veleiro de dois mastros ali ao fundo?”
-“Qual? Aquele branco com a risca azul?”
-“Sim esse mesmo, vamos rumar ao Sul nele.”
-“Estás doida, eu sei lá manejar um barco com dois mastros. Eu a coisa que já naveguei mais próxima daquilo foi um kayak de plástico, e esse não tinha panos para enrolar. E para o Sul para onde? Algarve.”
-“Não sejas parvo. Algarve, puffff… éramos logo apanhados. Vamos para um local onde ninguém sabe quem nós somos. Comprei um bocado de terra numa ilha ao largo de Angra dos Reis, Brasil, é para lá que vamos. Quanto ao manejar do barco, também pensei nisso, anda, vem ver a tripulação que escolhi para manobrar este nosso barco do amor.”
Levantaram-se ambos e dirigiram-se ao barco. À medida que se iam aproximando Pedro reparava em algo de familiar na tripulação que se movimentava em cima do convés, até que de repente reconheceu um dos tripulantes. Correu em direcção ao barco, nem queria acreditar em quem estava a ver.
-“Fidalgo… mas que fazes aqui amigo, que se está a passar?”
-“Pedro que felicidade em ver-te, pensei que nunca mais nos voltaríamos a encontrar. Aquele traidor do DeCosta fez de tudo para que fosses apanhado, foi ele o responsável pela morte do Othelo.”
-“Sim eu sei, sacana, a vontade que tenho de lhe apertar o pescoço… Mas diz-me uma coisa, desde quando percebes tu de barcos e da arte de velejar?”
-“Nada, há-se ser o que deus quizer. Deus e o nosso outro tripulante.”
Nesse instante por detrás de Fidalgo aparece Mary. Pedro nem queria acreditar, abraçaram-se num abraço forte e emocionado.
-“Ahh malandro que te querias ver livre de mim.”
-“Mas como vieste cá ter, como sabiam vocês dois disto tudo?”
-“Eu explico” disse Fidalgo.
-“Tudo começou quando o helicóptero caiu. Nesse dia apercebi-me de que o DeCosta era de facto um agente infiltrado. Descobri entre os papeis que ele abandonou, na sua fuga para Londres, correspondência entre ele e o Lourenço e ainda extratos de uma conta bancária num banco de Inglaterra, com diversos movimentos de depósito feitos a favor dele por empresas que sabíamos serem fachadas da secreta continental. A partir dai só houve tempo para desmantelar toda a organização, despachar o pessoal para o Funchal e desaparecer também.”
-“Espera lá. Mas tu não tinhas sido despachado pelo método UPS para o Funchal?”
-“Isso foi uma manobra de distracção. No dia seguinte à tomada de posse da Elora recebi uma mensagem da Afrodite com informações sobre casas de abrigo seguras para mim em Lisboa e um pedido de encontro, no mesmo local onde vocês se encontraram.
A partir daí é isto que aqui vês, sou marinheiro de água doce mas estou quase a ficar salgado, ahahahah…”
-“E tu Mary como chegas-te aqui?”
-“Deves estar muito preocupado deves. Olha desenrasquei-me. Deixaste-me naquela paragem de autocarro, naquela terra de ninguém. Mas, sabes, sou uma moça sabida… sem dares por ela tirei-te o papel do email e assim foi fácil. Claro também ajudou o facto de pouco depois um ricaço lá da zona no seu carrão passar pela paragem onde me deixs-te e sabes como é, aos meus atributos ninguém resiste, saquei da coxa para fora e zás, se cheirasses o odor a borracha queimada, uiiii.
Nem lhe perguntei nada, entrei no carro e disse-lhe, Oh jeitoso, vamos para o banco detrás fazer esquecer a tua mulher gorda? Ahahahaha, nem queiras saber a pressa do homem a sair do carro para ir para o banco de trás.”
-“Mary… não me digas que foste capaz…?”
-“Cala-te lorpa, achas que sim? Mal ele saiu do carro tomei o lugar dele e zás, tá a acelerar a toda a força. O paspalho ficou a comer poeira, ahahahahah…”
-“És doida…”
– “Ainda passei por ti na auto-estrada, lá ias tu naquela caranguejola, ahahahaha…”
-“Estou sem palavras…”
-“Pois, e nós estamos sem tempo, temos de zarpar o mais rápido possível.” Disse Afrodite enquanto libertava as amarras do barco.
A barra do Tejo havia ficado para trás, navegavam agora em mar aberto sempre com a costa portuguesa em fundo. O mar estava calmo, mas o vento norte soprava com força, abastecendo as velas de energia e impulsionando a embarcação com rapidez.
Fim.